segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Homenagem - DR. GILBERTO FRANÇA GOMES




Homenagem ao Dr. Gilberto França Gomes, aqui representando Fred Astaire















É noite. Bela e fresca. Um feliz e saltitante Gene Kelly canta e dança sob forte aguaceiro, numa rua de sonho, deserta e circundado por lojas com belíssimas vitrines iluminadas.

Momentos antes, sua amada (Debbie Reynold) havia aceito sua corte. O desenrolar é conhecido pelos cinéfilos: de guarda-chuva em punho, executa o mais perfeito balé do cinema musical americano. Assemelha-se a uma criança molhando-se na chuva; com inocência esfuziante. Seu rosto esperto e sorridente, transmite a impressão de que está cometendo traquinagens proibidas, concretizada no surgimento da lei (o guarda fardado), que o faz balbuciar a desculpa: “Estou dançando e cantando, na chuva...!’’ A seguir, afasta-se rapidamente, passa por uma senhora sem sombrinha, que caminha no sentido contrário, a presenteia com o guarda-chuva e continua dançando, até desaparecer na escuridão do fim da rua. Reassisto a cena, e logo me vem à mente a figura de Gilberto França Gomes.


             
Fui o último a chegar no grupo que frequentava o Cine França Gomes -, formado pelos amigos Modesto, Ricardo, Egas, Jaime, Jesus, Murilo, Zacarias. E, por isso, tive menor contato temporal com o colega Dr. Gilberto (algumas poucas quintas-feiras). Entretanto foram suficientes para conhecer o homem Gilberto: bom falante, gentil, atencioso; cinéfilo, amante dos musicais americanos, artista laureado, leitor de quadrinhos e, antes de tudo, um fidalgo - nobre, generoso, hospitaleiro.

Pela brevidade, nossa convivência cronológica deixou a desejar; mas superou-se, pela qualidade, além das expectativas.

Após a sua morte, comuniquei aos amigos comuns a intenção de homenageá-lo. ideia que já estava latente em todo o grupo. E decidimos, juntos, por uma homenagem singela, sincera e merecida.

Na transitoriedade de todos nós - a vida é uma instantaneidade sem replay - ficou-me as palavras de sua filha: “Agradeço a vocês (frequentadores do Cine França Gomes) por tornarem mais felizes os últimos dias de vida de meu pai. Amém! (José Queiroz)

DEPOIMENTO DE AMANDA AOUAD


"Tudo isso me lembrou Dr. Gilberto França Gomes. Um médico aqui de Salvador, já falecido, grande admirador da sétima arte, que tinha como hobby brincar com montagens diversas, em sua ilha de edição ainda linear (para a geração não linear, tratava-se de dois vídeoscassetes, ligados por uma mesa de corte, onde a edição era feita na ordem, de uma VHS para outra).


Com muito talento, Dr. Gilberto criou a "TV França Gomes" e sempre fazia sessões para família e amigos, demonstrando seu amor pela arte. Sua preferência sempre foram os musicais, até por isso, em 1992, ele criou o Música Trocada, uma brincadeira com musicais clássicos ao som de músicas que, na época, eram novas.

Na abertura do filme ele já advertia: "Pedimos desculpas à turma da velha guarda pelas brincadeiras, mas para os jovens, vai ser uma curtição." E foi mesmo. De forma inteligente, ele fez Fred Astaire e Jane Powell dançarem "Lambamour" de Kaoma ou Cyd Charisse dançar "Samba de uma nota só". Mas, as que considero suas melhores montagens são: a clássica cena de John Travolta em "Os embalos de Sábado a Noite" por ser hilária; e Fred Astaire e Bety Hutton em "Nasci para Bailar", pela precisão da montagem.

Os Embalos de Sábado a Noite é o grande musical dos anos 80. Na verdade, ele é do final da década de 70 (1977), mas entrou para os clássicos da década seguinte, por aproximação. Foi o filme que projetou John Travolta e é referência de cena de dança. Dr. Gilberto pegou a cena do concurso onde Tony Manero mostra seus dotes e juntou com um clássico da lambada. O resultado não poderia ser mais hilário. Parece que Jonh Travolta está ouvindo "Isso é bom" (Cuisse Lá), mais conhecido como "Ui pitchi pitchi".

Nasci para Bailar é um filme de 1950, auge dos musicais de Hollywood. Traz Fred Astaire e Bety Hutton, em uma bela performance e é lembrado pelos amantes do gênero, apesar de não ser um dos grandes clássicos. A grande sacada de Dr. Gilberto aqui, foi o início. A discussão entre o casal, ao som de Daniela Mercury dizendo "não me abandone" e a sincronia perfeita com o início da música propriamente dita. É realmente, imperdível." 


O vídeo pode ser encontrado aqui: 

É uma pena que Dr. Gilberto não tenha vivido para ver as maravilhas da tecnologia e de uma ilha de edição não linear que ele teria facilmente em seu computador... Se com uma mesa de corte, ele já proporcionava tantos risos, o que faria com outros recursos? Fica a homenagem e o agradecimento a sua filha, Grace Gomes, por ter me permitido compartilhar parte dessas duas pérolas com vocês.

Amanda Aouad é Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea pela UFBA, especialista em Cinema pela UCSal e roteirista de Ponto de Interrogação, Cidade das Águas e Vira-latas. É ainda professora de audiovisual, tendo experiência como RTVC e assistente de direção. Membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos e da Liga dos Blogues Cinematográficos in http://www.cinepipocacult.com.br/2009/06/musica-trocada.html

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