Homenagem ao Dr. Gilberto França Gomes, aqui representando Fred Astaire
É
noite. Bela e fresca. Um feliz e saltitante Gene Kelly canta e dança sob forte
aguaceiro, numa rua de sonho, deserta e circundado por lojas com belíssimas
vitrines iluminadas.
Momentos
antes, sua amada (Debbie Reynold) havia aceito sua corte. O desenrolar é
conhecido pelos cinéfilos: de guarda-chuva em punho, executa o mais perfeito balé do cinema musical americano.
Assemelha-se a uma criança molhando-se na chuva; com inocência esfuziante. Seu
rosto esperto e sorridente, transmite a impressão de que está cometendo traquinagens
proibidas, concretizada
no surgimento da lei (o guarda fardado), que o faz balbuciar a desculpa: “Estou dançando e cantando, na chuva...!’’
A seguir, afasta-se rapidamente, passa por uma senhora sem sombrinha, que caminha no sentido contrário, a presenteia com o guarda-chuva e continua dançando, até desaparecer na escuridão do fim da rua. Reassisto a
cena, e logo me vem
à mente a figura de Gilberto França Gomes.
Fui
o último a chegar no grupo que frequentava o Cine França Gomes -, formado
pelos amigos Modesto, Ricardo, Egas, Jaime, Jesus, Murilo, Zacarias. E, por isso, tive
menor contato temporal com o colega Dr. Gilberto (algumas poucas quintas-feiras).
Entretanto foram suficientes para conhecer o homem Gilberto: bom falante,
gentil, atencioso; cinéfilo, amante dos musicais americanos, artista laureado,
leitor de quadrinhos e, antes de tudo, um fidalgo - nobre, generoso,
hospitaleiro.
Pela
brevidade, nossa convivência cronológica deixou a desejar; mas superou-se, pela
qualidade, além das expectativas.
Após a sua morte, comuniquei
aos amigos comuns a intenção de homenageá-lo. ideia
que já estava latente em todo o grupo. E decidimos, juntos, por uma homenagem
singela, sincera e merecida.
Na
transitoriedade de todos nós - a vida é uma instantaneidade sem replay - ficou-me as palavras de sua filha: “Agradeço
a vocês (frequentadores do Cine França Gomes) por tornarem mais felizes os últimos dias de vida de
meu pai.” Amém! (José Queiroz)
DEPOIMENTO DE AMANDA AOUAD
"Tudo
isso me lembrou Dr. Gilberto França Gomes. Um médico aqui de
Salvador, já falecido, grande admirador da sétima arte, que tinha como hobby
brincar com montagens diversas, em sua ilha de edição ainda linear (para a
geração não linear, tratava-se de dois vídeoscassetes, ligados por uma
mesa de corte, onde a edição era feita na ordem, de uma VHS para outra).
Com
muito talento, Dr. Gilberto criou a "TV França Gomes" e sempre fazia
sessões para família e amigos, demonstrando seu amor pela arte. Sua preferência
sempre foram os musicais, até por isso, em 1992, ele criou o Música
Trocada, uma brincadeira com musicais clássicos ao som de músicas que, na
época, eram novas.
Na abertura do filme ele já advertia: "Pedimos desculpas à turma da velha guarda pelas brincadeiras, mas para os jovens, vai ser uma curtição." E foi mesmo. De forma inteligente, ele fez Fred Astaire e Jane Powell dançarem "Lambamour" de Kaoma ou Cyd Charisse dançar "Samba de uma nota só". Mas, as que considero suas melhores montagens são: a clássica cena de John Travolta em "Os embalos de Sábado a Noite" por ser hilária; e Fred Astaire e Bety Hutton em "Nasci para Bailar", pela precisão da montagem.
Na abertura do filme ele já advertia: "Pedimos desculpas à turma da velha guarda pelas brincadeiras, mas para os jovens, vai ser uma curtição." E foi mesmo. De forma inteligente, ele fez Fred Astaire e Jane Powell dançarem "Lambamour" de Kaoma ou Cyd Charisse dançar "Samba de uma nota só". Mas, as que considero suas melhores montagens são: a clássica cena de John Travolta em "Os embalos de Sábado a Noite" por ser hilária; e Fred Astaire e Bety Hutton em "Nasci para Bailar", pela precisão da montagem.
Os Embalos de Sábado a Noite é o grande musical dos anos
80. Na verdade, ele é do final da década de 70 (1977), mas entrou para os
clássicos da década seguinte, por aproximação. Foi o filme que projetou John
Travolta e é referência de cena de dança. Dr. Gilberto pegou
a cena do concurso onde Tony Manero mostra seus dotes e juntou
com um clássico da lambada. O resultado não poderia ser mais hilário. Parece
que Jonh Travolta está ouvindo "Isso é bom" (Cuisse Lá), mais
conhecido como "Ui pitchi pitchi".
Nasci para Bailar é um filme de 1950, auge dos musicais de Hollywood. Traz Fred Astaire e Bety Hutton, em uma bela performance e é lembrado pelos amantes do gênero, apesar de não ser um dos grandes clássicos. A grande sacada de Dr. Gilberto aqui, foi o início. A discussão entre o casal, ao som de Daniela Mercury dizendo "não me abandone" e a sincronia perfeita com o início da música propriamente dita. É realmente, imperdível."
O vídeo pode ser encontrado aqui:
É uma pena que Dr. Gilberto não tenha vivido para ver as
maravilhas da tecnologia e de uma ilha de edição não linear que ele teria
facilmente em seu computador... Se com uma mesa de corte, ele já
proporcionava tantos risos, o que faria com outros recursos? Fica a homenagem e
o agradecimento a sua filha, Grace Gomes, por ter me permitido
compartilhar parte dessas duas pérolas com vocês.
Amanda Aouad é Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea pela UFBA,
especialista em Cinema pela UCSal e roteirista de Ponto de Interrogação, Cidade
das Águas e Vira-latas. É ainda professora de audiovisual, tendo experiência
como RTVC e assistente de direção. Membro da Abraccine (Associação Brasileira
de Críticos de Cinema), Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos e da Liga
dos Blogues Cinematográficos in http://www.cinepipocacult.com.br/2009/06/musica-trocada.html
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