sábado, 8 de novembro de 2008

COLEÇÕES E COLECIONADORES

Destroyer (Demolidor no Brasil). Criação: Stan Lee. Arte: Jack Binder.

















POR QUÊ AS PESSOAS ADORAM COLECIONAR? (E AMAM AS SUAS COLEÇÕES?)
José Pinto de Queiroz Filho




MANDRAKE MAGAZINE, #1, de abril//maio de 1953



PAIXÕES
Pergunte a cem pessoas porquê elas colecionam revistas de HQs antigas, e provavelmente receberá cem respostas diferentes. Talvez, essa mania apaixonada de colecionar, vai se ver, não passa de mero desejo infantil de eternizar as vivências obtidas com a leitura de HQs, na tentativa de recriar um universo pessoal, seguro, prazeroso. O certo é que sempre encontramos, no âmago, paixões primárias – pelo resgate do passado, pela saudade de si mesmo, pela preocupação em informar a nova geração e, finalmente, pelo amor as HQs nostálgicas. Há, ainda, outra, secundária para o colecionador inveterado: a paixão pelo lucro.
Quaisquer que sejam, tais paixões tornam as pessoas mais felizes, e lhes proporcionam um passatempo ou meio de vida que podem ser divertidos e, até, terapêuticos. Neste artigo, tentaremos explicar porque tantos colecionadores cultivam a arte de colecionar, preservar e restaurar, e como ela diverte, gratifica e enriquece a todos que o fazem.





MEMÓRIAS
Recordações felizes ativam reações positivas. Por isso, as pessoas adoram colecionar reminiscências dos (bons) tempos dourados, tais como: férias, romances, amizades, eventos esportivos, filmes, espetáculos de televisão, revistas de quadrinhos, e assim por diante. O colecionador dedica-se a adquirir, preservar, consumir e estudar - para inteirar-se acerca das coisas relativas aos eventos passados, particularmente os de sua infância.



Observe um colecionador, em estado de graça, contemplando um gibi antigo. Irrompe irresistível impulso para aproximar-se, tê-lo mais perto de si. O objetivo, enfim, é de possuir, assenhorar-se, de alguma forma, desse objeto usufruído na infância. Neste momento surgem exclamações dos tipos: “Tive um destes quando era criança!”, “Estou fascinado!”, “É uma sensação encantadora!”, “UAU!, pagarei qualquer preço por ele!”, Como teria sido bom, se tivesse conservado a minha coleção!”.





Entretanto, se todos que possuíram gibis os tivessem guardado, provavelmente não haveria colecionadores e esse artigo não precisaria ter sido escrito.
Na verdade, o ponto central que nos interessa, é o de como um objeto do passado sensibiliza o colecionador do presente. Quando alguém se confronta com algo que toca a sua memória, a provável reação é enlevar-se, envolver-se emocionalmente, experimentando vivências que emergem dos confins de sua memória. Então, pára, encantado, examina o objeto, toca-o -, se lhe for permitido -, suspira, recoloca-o no lugar, olha para todos os lados, e provavelmente o apanha outra vez.
Necessita, ardentemente, tê-lo o mais próximo possível de si. Mais alguns suspiros, outra dose de recordação, e se o preço for razoável (e os sentimentos bastante intensos), o compra, sem mais delongas. Se você conhece algum colecionador, deve ter testemunhado as paixões que os objetos do desejo produzem nele. Por exemplo, o depoimento abaixo, obtido da vida real, emblematiza o encontro de um colecionador com o seu objeto de desejo. Atente, particularmente, para as emoções expressas nas linhas e nas entrelinhas:


Amigo Queiroz
Eu não tenho o GURI, no. 135. Mas lá por 1985, mais ou menos, encontrei numa casa de XEROX, um camarada com essa revista. É claro que fiquei LOUCO! Consegui dele permissão para XEROCAR ali, na hora, sob o olhar dele. Fiz em redução de 19%, de duas em duas páginas. Ele não permitiu tirar os grampos da sua revista, e disse que estava com pressa... FOI ASSIM QUE TIREI A CÓPIA DO GURI 135, em 30 cópias. UFA! Foi uma situação de nervosismo...
Agora estou 'calmamente' lhe remetendo essa preciosidade. Sei que também você vai ficar 'louco' ao começar a folhear o ano de 1946, representado nestas cópias de XEROX...
Jotabar
"

Em Salvador, BA, temos três respeitáveis e conhecidos colecionadores de gibis: Adolfo Caldas, Carlos Calmon, Aimar Aguiar. De personalidades distintas e profissões diferentes: Adolfo, odontológo, Aimar, coronel aposentado do corpo de bombeiros, Calmon, fiscal de rendas do Estado. Afirma-se que Aimar é dono da maior coleção. Por isso tem três residências para guardar as suas revistas e, de acordo com linguas viperinas, três esposas para cuidar dos gibis. Brincadeira à parte, ignoro o número real de exemplares de cada coleção, mas, tenho certeza, juntas dariam para fundar uma biblioteca especializada em gibi para ninguém botar defeito.
Mas, porquê tudo isso? Provavelmente porque através da posse do objeto de desejo, o colecionador redescobre a juventude de outrora. Tais sentimentos produzem o milagre de fazer uma pessoa, de qualquer idade, voltar à infância, – tornando-o capaz de saborear o passado através de objetos sobreviventes -, tão mais preciosos quanto mais antigos e difíceis de serem achados.




DESEJOS MÚLTIPLOS
Para o colecionador de gibis, seus objetos de desejo são os mais diversos. Alguns externam desejos inusitados de colecionar álbuns de figurinhas, “cards”, filmes e seriados antigos, óculos bicolores utilizados para visualizar revistas de quadrinhos em 3D, etc. Mais a maioria se dedica, habitualmente, às revistas de heróis e super-heróis -, os chamados “personagens do bem”.
Claro, existem colecionadores que adoram bandidos, as megas-estrelas do mundo dos criminosos, isto é, “os odiados vilões amados”, no dizer de Modesto, admirador confesso do folclórico Dr. Sivana. Justifica-se, considerando que todos temos um lado sombrio. E os vilões de nossa preferência refletem esse lado politicamente incorreto que nos dá um estranho e confortável sentimento de cumplicidade e conforto. Ou talvez, ocorra o oposto: matamos nossos demônios e enfrentamos nossos medos, quando colecionamos e acolhemos com compreensão e simpatia, os agentes do mal. É por isso que existem, e ninguém pode negar, vilões, monstros, demônios que fascinam – Lex Luthor, Coringa, Duas-Caras, Dr. Destino, Frankenstein, Drácula, o próprio Diabo, Hitler, Espectro Verde (não o herói da DC, mas o inimigo do Príncipe James -, o Mr. Justice da década de 40, de Blair e Cooper), etc. De qualquer modo, a preferência por heróis ou vilões, é um processo sempre permeado pelo amor.





SANTO GRAAL
Ás vezes, completar uma coleção converte-se num problema de difícil solução, principalmente quando não se consegue encontrar aquela objeto raro – verdadeiro Santo Graal - necessário para completá-la. Pode ser qualquer coisa: uma revista, um fragmento, uma página, uma história ou uma capa (remember a busca pela capa de O Lobinho, no. 62, publicada no GJ, questão levantada por Dâmaso, solucionada por Federighi, romanceada e publicada por Barwinkel e ilustrada por Losso). Uma vez encontrado, o resultado produz inexcedível sensação de triunfo no colecionador, pelo menos até a o aparecimento de outro objeto raro, difícil de ser encontrado.
Adquirir, manter, preservar uma coleção faz bem à mente, ao espírito e ao corpo do colecionador. Acontece, porque as pessoas vêem as coleções como sendo extensões de si mesmas. Na medida em que cresce a coleção, cresce também a satisfação e a auto-estima do colecionador. Toda adição lhe traz felicidade por causas estéticas e pelo enriquecimento em conhecimentos, ou ambos. Como tal, cada objeto torna-se um meio para dar plenitude à alma do colecionador.


O amor por si mesmo, transforma o colecionador em arauto da própria busca: procura, pesquisa, indagação, deixa-o sempre ocupado, raramente enfadado. Quando não está cuidando de suas coleções, busca e consulta artigos ou comunica-se com outros colecionadores afins. Para a maioria, a investigação nunca se termina; para muitos, não existem limites de tamanho pois a sua busca nunca terá fim... até que ele – o colecionador - se finde. São os chamados megas colecionadores - que adquirem acumulam tantas unidades quantas podem encontrar. Tamanha é a quantidade de suas aquisições, que exigem o acréscimo de uma nova casa - o colecionador baiano Aimar Aguiar, por exemplo, tem três casas, mantidas para guardar a sua coleção de revistas em quadrinhos. Outros fazem doações, contribuindo para a abertura de museus (foi o caso do falecido fanzineiro, Ionaldo Cavalcante).




Muitos adquirem conhecimentos profundos sobre o tema, vão escrever livros, teses, ou se tornarem negociantes de gibis; existem os que se transformam em experts em quadrinhos (Álvaro Moya e Waldomiro Vergueiro são professores universitários, especialistas em HQs); alguns publicam fanzines, e outros limitam-se a continuar colecionando - em Salvador, Carlos Calmon é um dos maiores colecionadores de quadrinhos, do Brasil. Os caminhos são variados, mas todos compartilham de um tipo especial de alegria esfuziante, que jamais sentiriam se não fossem os quadrinhos.





PAIXÃO PELA HISTÓRIA
Muitos colecionam com o objetivo de pesquisar as histórias em quadrinhos, buscando dados que não somente os deixem informados, mas, também, fiquem preservados para o usufruto das próximas gerações. Vestem a camisa de especialistas, investigando profundamente, e compartilhando seus achados. (Adolfo, Dâmaso, Magnago e Barwinkel, dentre outros, são exemplos elogiáveis de tal prática). Esforçam-se para conferir autenticidade aos registros, compartilhando com os demais interessados todas as informações, da forma mais ampla possível.
Orgulham-se do trabalho de preservação de suas coleções, pensando em repassar, para a posteridade, o conhecimento entesourado, acreditando que permanecerá (e crescerá) mesmo depois de sua morte. (Repito o recente exemplo de doação de revistas, feita por Ionaldo Cavalcante).


LUCRO
O lucro inspira muitos colecionadores a comprar e vender, mas para colecionadores legítimos, o valor monetário de um artigo é secundário, quando comparado com os valores sentimental e histórico. Aliás, os que visam unicamente o lucro não são, habitualmente, bem vistos pelos colecionadores apaixonados.
Na verdade, o valor primeiro de uma coleção, o afetivo, é dado pelo dono e por seus pares. Se você ama os seus gibis, esse amor embute neles o valor essencial de sua posse.





Muitas coleções podem, eventualmente, ficar mais valiosas, mas o melhor conselho, dado por peritos, para qualquer colecionador, é de que sempre deve comprar guiado pela emoção, orientado pela paixão, pelo carinho, pela satisfação que o objeto de desejo lhe proporciona, buscando, concomitantemente, a melhor condição possível. Desta forma, nada pode dar errado e a sua coleção terá sempre um valor nostálgico inestimável.

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