POR QUÊ AS PESSOAS ADORAM COLECIONAR? (E AMAM AS SUAS COLEÇÕES?) José Pinto de Queiroz Filho
TIP TOP COMICS, 43, NOVEMBRO DE 1941
PAIXÕES
Pergunte a cem pessoas porque
elas colecionam revistas de HQs antigas, e provavelmente receberá cem respostas
diferentes. Talvez, essa mania apaixonada de colecionar, vai se ver, não passa
de mero desejo infantil de eternizar as vivências obtidas com a leitura de HQs,
na tentativa de recriar um universo pessoal, seguro, prazeroso. O certo é que sempre encontramos, no âmago,
paixões primárias – pela saudade de si mesmo, pelo resgate do passado, pela
preocupação em informar a nova geração e, finalmente, pelo amor as HQs
nostálgicas. Há, ainda, outra, secundária para o colecionador inveterado: a
paixão pelo lucro.
Quaisquer que sejam, tais paixões
tornam as pessoas mais felizes e lhes proporcionam um passatempo ou meio de
vida que podem ser divertidos e, até, terapêuticos. Neste artigo, tentaremos explicar
porque tantos colecionadores cultivam a arte de colecionar, preservar e
restaurar, e como ela diverte, gratifica e enriquece a todos que o fazem.
Kendi Sakamoto, UM COLECIONADOR E SEUS 70 MIL GIBIS
MEMÓRIAS
Recordações felizes ativam
reações positivas. Por isso, as pessoas adoram colecionar reminiscências dos
(bons) momentos dourados, tais como: férias, romances, amizades, eventos
esportivos, filmes, espetáculos de televisão, revistas de quadrinhos, e assim
por diante. O colecionador dedica-se a adquirir, preservar, consumir e estudar
- para inteirar-se acerca das coisas relativas aos eventos passados,
particularmente os de sua infância.
Belas e jovens Solange Brait e Aila Keiny, presentes no 1º Encontro de Colecionadores de gibis, revistas, filmes, Estação da Luz, São Paulo.
Observe um colecionador, em
estado de graça, contemplando um gibi antigo: irrompe irresistível impulso para
aproximar-se, tê-lo mais perto de si. O objetivo, enfim, é de possuir,
assenhorar-se, de alguma forma, desse objeto usufruído na infância. Neste
momento surgem exclamações dos tipos: “Tive um destes quando era criança!”, “Estou
fascinado!”, “É uma sensação encantadora!”, “UAU!, pagarei qualquer preço por
ele!”, Como teria sido bom, se
tivesse conservado a minha coleção!”.
Gibis, à mãos cheias!!
Entretanto, se todos que
possuíram gibis os tivessem guardado, provavelmente não haveria colecionadores
e esse artigo não precisaria ter sido escrito.
Na verdade, o ponto central que
nos interessa, é o de como um objeto do passado sensibiliza o colecionador do
presente. Quando alguém se confronta com algo que toca a sua memória, a
provável reação é enlevar-se, envolver-se emocionalmente, experimentando
vivências que emergem dos confins de sua memória. Então, pára, encantado,
examina o objeto, toca-o -, se lhe for permitido -, suspira, recoloca-o no
lugar, olha para todos os lados, e provavelmente o apanha outra vez.
Álbum Gigante, EBAL - edição extra - A Pata da Gazela
Necessita, ardentemente, tê-lo o
mais próximo de si. Mais alguns suspiros, outra dose de recordação, e se o
preço for razoável (e os sentimentos bastante intensos), o compra, sem mais
delongas. Se você conhece algum colecionador, deve ter testemunhado as paixões
que o objeto do desejo produz nele. O relato abaixo emblematiza o encontro de
um colecionador com o seu objeto de desejo. Atente, particularmente, para as
emoções expressas nas linhas e nas entrelinhas:
“Amigo Queiroz
Eu não tenho o GURI, no. 135.
Mas lá por 1985, mais ou menos, encontrei numa casa de XEROX, um camarada com
essa revista. É claro que fiquei LOUCO! Consegui dele permissão para XEROCAR
ali, na hora, sob o olhar dele. Fiz em redução de 19%, de duas em duas páginas.
Ele não permitiu tirar os grampos da sua revista, e disse que estava com
pressa... FOI ASSIM QUE TIREI A CÓPIA DO GURI 135, em 30 cópias. UFA! Foi uma situação de nervosismo(...) Agora estou 'calmamente' lhe
remetendo essa preciosidade. Sei que você também vai ficar 'louco' ao começar a
folhear o ano de 1946, representado nestas cópias de XEROX... Jotabar "
O Guri Cômico, 135, de janeiro de 1946
Mas, por quê tudo isso?
Provavelmente porque através da posse do objeto de desejo, o colecionador
redescobre a juventude de outrora. Tais sentimentos produzem o milagre de fazer
uma pessoa, de qualquer idade, voltar à infância – tornando-o capaz de saborear
o passado através de objetos sobreviventes -,tão mais preciosos quanto mais
antigos e difíceis de serem achados.
DESEJOS MÚLTIPLOS
Para o colecionador de gibis,
seus objetos de desejo são os mais diversos. Alguns externam desejos inusitados
de colecionar álbuns de figurinhas, “cards”, filmes e seriados antigos, óculos
bicolores utilizados para visualizar revistas de quadrinhos em 3D, etc. Mais a
maioria se dedica, habitualmente, às revistas de heróis e super-heróis -, os
chamados “personagens do bem”.
Claro, existem colecionadores que
adoram bandidos, as megas-estrelas do mundo dos criminosos, isto é, “os
odiados vilões amados”, no dizer de Carlos
Modesto, admirador confesso do folclórico Dr. Sivana. Justifica-se, considerando que todos temos um lado
sombrio. E os vilões de nossa preferência refletem esse lado politicamente
incorreto que nos dá um estranho e confortável sentimento de cumplicidade e
conforto. Ou talvez, ocorra o oposto: matamos nossos demônios e enfrentamos
nossos medos, quando colecionamos e acolhemos com compreensão e simpatia, os
agentes do mal. É por isso que existem, e ninguém pode negar, vilões, monstros,
demônios que fascinam – Lex Luthor,
Coringa, Duas-Caras, Dr. Destino, Frankenstein, Drácula, o próprio Diabo,
Hitler, Espectro Verde (não o herói da DC, mas o inimigo do Príncipe James -, o Mr. Justice da década de 40, de Blair e Cooper), etc. De qualquer modo,
a preferência por heróis ou vilões, é um processo sempre permeado pelo amor.
SANTO GRAAL
Almanaque de O Globo Juvenil, 1949
Ás vezes, completar uma coleção
converte-se num problema de difícil solução, principalmente quando não se
consegue encontrar aquela objeto raro – verdadeiro Santo Graal - necessário para completá-la. Pode ser qualquer coisa:
uma revista, um fragmento, uma página, uma história ou uma capa (lembro-me,
como exemplo, da busca pela capa de O Lobinho, no. 62, publicada no GJ, questão
levantada por Dâmaso, solucionada
por Federighi, romanceada e
publicada por Barwinkel e ilustrada
por Losso). Uma vez encontrado, o
resultado produz inexcedível sensação de triunfo no colecionador, pelo menos
até a o aparecimento de outro objeto raro, difícil de ser encontrado.
Adquirir, manter, preservar uma
coleção faz bem à mente, ao espírito e ao corpo físico do colecionador.
Acontece, porque as pessoas vêem as coleções como sendo extensões de si mesmas.
Na medida em que cresce a coleção, cresce também a satisfação e a auto-estima
do colecionador. Toda adição lhe traz felicidade pelo usufruto estético e pelo
enriquecimento em conhecimentos, ou ambos. Como tal, cada objeto torna-se um
meio para dar plenitude à alma do colecionador.
Jorge Barwinkel, meu Gênio do Bem, era um colecionador que encarnava os gibis de todos os tempos.
O amor por si mesmo, transforma o
colecionador em arauto da própria busca: procura, pesquisa, indaga, sempre
ocupado, raramente enfadado. Quando não está cuidando de suas coleções, busca e
consulta artigos ou comunica-se com outros colecionadores afins. Para a
maioria, a investigação nunca se termina; para muitos, não existem limites,
pois a sua busca nunca terá fim... até que ele – o colecionador - se finde. São
os chamados megas colecionadores - que adquirem acumulam tantas unidades quantas
podem encontrar. Tamanha é o acervo de suas aquisições, que, às vezes, exigem o
acréscimo de uma nova residência - é o caso do colecionador baiano Aimar Aguiar, que possui três casas,
mantidas para guardar a sua imensa coleção de revistas em quadrinhos. Outros
fazem doações, contribuindo para a abertura de museus (foi o caso do falecido
fanzineiro, Ionaldo Cavalcante).
Muitos adquirem conhecimentos
profundos sobre o tema, vão escrever livros, teses, ou se tornarem negociantes
de gibis; existem os que se transformam em experts em quadrinhos (Álvaro Moya e Waldomiro Vergueiro são
professores universitários, especialistas em HQs); alguns publicam fanzines, e
outros se limitam a continuar colecionando - em Salvador, Carlos Calmon é um dos maiores colecionadores de quadrinhos, do
Brasil. Os caminhos são variados, mas todos compartilham de um tipo especial de
alegria esfuziante, que jamais sentiriam se não fossem os quadrinhos.
PAIXÃO PELA HISTÓRIA
Muitos colecionam com o objetivo
de pesquisar as histórias em quadrinhos, buscando dados que não somente os
deixem informados, mas, também, fiquem preservados para o usufruto das próximas
gerações. Vestem a camisa de especialistas, investigando profundamente, e
compartilhando seus achados. (Adolfo,
Dâmaso, Magnago e Barwinkel, dentre outros, são exemplos elogiáveis de tal
prática). Esforçam-se para conferir autenticidade aos registros, compartilhando
com os demais interessados todas as informações, da forma mais ampla possível.
Orgulham-se do trabalho de preservação
de suas coleções, pensando em repassar, para a posteridade, o conhecimento
entesourado, acreditando que permanecerá (e crescerá) mesmo depois de sua
morte. (Repito o recente exemplo de doação de revistas, feita por Ionaldo Cavalcante).
LUCRO
O lucro inspira muitos
colecionadores a comprar e vender, mas para colecionadores apaixonados, o valor
monetário de um artigo é secundário, quando comparado com os valores
sentimental e histórico. Aliás, os que visam unicamente o lucro não são,
habitualmente, bem vistos por esses colecionadores.
Na verdade, o valor primeiro de
uma coleção, o afetivo, é dado pelo dono e por seus pares. Se você ama os seus
gibis, esse amor embute neles o valor essencial de sua posse.
PARA FINALIZAR, UMA OPINIÃO DE PERITO
Muitas coleções podem,
eventualmente, ficar mais valiosas, mas o melhor conselho, dado por peritos,
para qualquer colecionador, é de que sempre deve comprar guiado pela emoção,
orientado pela paixão, pelo carinho, pela satisfação que o objeto de desejo lhe
proporciona, buscando, concomitantemente, a melhor condição possível. Desta
forma, nada pode dar errado e a sua coleção terá sempre um valor nostálgico
inestimável. E é somente...
tenho muitos gibis entre 1935 a 1999 e procuro alguem q se interesse
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